Iggy Pop?

Aquele momento em que te apercebes que és o Iggy Pop do teu grupo.
E agora, caralho? que rumo? li demasiado Bukowski e Álvaro de Campos? Nietzsche é um gajo exemplar? foda-se, não sei. Mas depressa me liberto da reticência - não sou animal de rebanhos.
E o excesso de população, e as danças caóticas das multidões, e as histerias coletivas. São merdas que me fazem pensar que talvez não faça sentido eu ter 2 filhos - ou 5 para assegurar a sobrevivência desta espécie de macacos usurpadores de recursos naturais. Lamento. Pareço-te uma besta, eu sei. Mas há aqui muito amor. Amor pelo potencial humano. Sou fiel a isso e aos que se questionam e se olham ao espelho.

Comprar merdices lindas no Ikea e reproduzir-me, é uma hipótese que não me completa.
Não amo assim tanto mulher nenhuma. Nem carpetes, nem sofás.
E se amei o suficiente para pensar nas putas das carpetes, foi porque me esqueci de mim.
Lido mal com os que colocam o síndrome de Peter Pan numa posição ridícula. São eles os ridículos, não eu.
Eu escolhi adiar para um futuro distante a fase em que só nos resta o sofá perfeito.

Suster um olhar

E eu olhei para ti, às escondidas, azul de não respirar, como se quisesse confessar-te algo sublime.
Voltei a mim, embaraçado pelo teu olhar que encontrou o meu.
E encontraste-me lendo nada do que sinto, somente reticências de um homem cabisbaixo e fraco, de não respirar.

Contra*Tempo

Se quisesses, os ponteiros seriam uma animação suspensa e dobrariamos o espaço-tempo por mais um beijo, ou uma dezena de palavras vincadas de saudade.

Se quisesses, desapareceriam da minha pele os vincos de saudade que não se disfarçam com roupa engomada, como num paradoxo teórico de quem volta ao passado. Mas há sempre uma hora exacta, um segundo em que se ouve o mecanismo que dá vida ao ponteiro gritar metalicamente disciplinado: o tempo acabou.

Acordo de um Déjà Vu de inquietação adolescente, agora sereno, pensando: talvez um dia saibas que te olho ingénua e carinhosamente, como olho o mar. Talvez um dia queiras, e eu me tenha cansado de contar tempo.

Uma folha branca [draft]

Quis escrever toda a nobreza e toda a dignidade numa folha branca e imaculada. Perdi horas, dias, anos. Pensei eu que seria digno de mim recomeçar todo o registo da minha vida sem uma nódoa, sem uma letra mal desenhada. Com simetria. Com perfeição. E destruí centenas de folhas imaculadas em vão. E para meu castigo, a verdade é que a perfeição está em todas as coisas imperfeitas, e o caos é a ordem natural.

Estações

A Primavera não começou, e o Verão será uma rubrica rápida. Em cada canto meu esconde-se um demónio incapaz de amar. Não me sinto senão a mim, atirado num beco sujo. Não te sinto, e se não confundo tão somente uma curva tua nos milhares de rostos que vejo e mando fora como pratas de chocolate, não sei o que sou. Reconheço a lucidez que me diz que é Inverno, como se ainda usasse cabelo rapado e a farda e o louvor me consolassem o descontrolo.
Sinto-me um Lobo que se esconde na disciplina do frio. Uivo a luas de papel ordinário, e se não confundo tão somente uma curva tua nos milhares de rostos que vejo e mando fora como pratas de chocolate, não sei o que sou.

Como fazer Amor

Bebe-se o Vinho à temperatura próxima do sangue que corre nas veias. Ama-se devagar, à velocidade com que o Vinho repousa na madeira. Deixa-se amanhecer. O sol começa, sem pressa, a iluminar os lencóis.
Fazemos Amor novamente. Gritamos o mundo. Fazemos o tempo refém dentro de nós. O teu orgasmo lento envergonha a energia da via láctea. Dormimos como refugiados.