A Revolução é o Amor dela

O circulo que estava formado. A Resistência. A palavra que nos encosta à parede ainda antes de a língua tocar nos dentes. A Resistência em fazer parte da Resistência. E o Sol. O Sol que aquecia a pedra onde nos sentávamos. Era um circulo cinzento. Era um circulo pobre que ainda não te vira chegar.

E rendi-me quando chegaste. Que força. Que alma. Quantos imperadores esse sorriso fez cair? Quem és? perguntei eu anos a fio enquanto falavas. É ela o Amor na Revolução, soltaram os meus lábios imprudentes. E a Revolução é o Amor dela. E eu. Eu ali indefeso, encostado à parede. Queria que a Guerra terminasse e pudesse render-me ao teu sorriso todos os dias, para sempre, e que os relógios fossem obsoletos. Rendi-me, rendi-me.

És sempre tu.

O amor e a revolução moram na tua rua. E é tão doce o labirinto que me conduz. Ver-te é a única certeza que tenho, blindada ao tempo e às estrelas que nascem ou morrem. És sempre tu a revolução e a tempestade. És blindada ao tempo e à queda de impérios. És a única faísca de sonhos que nunca mudou. És o amor e o medo, e o fogo que incendeia o meu piano.

1º dia de Inverno

Todos os anos, há um primeiro dia de Inverno, que é só teu. Talvez a 21, ou antes, ou depois, ou talvez na tua poesia seja Inverno todos os dias. Mas há um dia. Um primeiro dia de Inverno que te crava a mão no peito como se fosses feito de núvem, e te agarra e esmaga o coração com disciplina de aço.

Hoje é o meu Primeiro dia de Inverno. Hoje os ponteiros fizeram greve.
Hoje sou denso como pedra. Ontem?
venceria sozinho um exército, e hoje sou Inverno e machados enterrados na terra.



Praia vestida de Abril

Aquela praia temperada de Abril, e nós dois. Nós dois, rompiamos ondas e saboreávamos passado, presente e futuro no spray do offshore. O meu sal era teu.

E quando olho para trás, tudo é uma animação suspensa.
O beijo que não demos. A saudade em cada átomo.
E eis que anuncias a Primavera e me encontras de novo.

Nunca nos poderemos encontrar.

Sabes que nunca sairemos desta folha.
Nunca nos poderemos encontrar.

É impossível o universo ser menos complexo que a forma como o percepcionamos.
Talvez nesse intervalo sádico exista poesia. Talvez nesse intervalo eu te possa tocar.

Talvez saibas que existo apenas aí. Sabes que nunca nos vamos encontrar.
Este texto, este papel sujo, as minhas mãos suadas, uma esferográfica vulgar..

É aqui que te encontro. A poesia é isto. É sonhar um universo complexo.
É nunca encontrar ninguém e conceber mil fórmulas para sentir essa pessoa.

O silêncio

Era o silêncio. O silêncio que já existia. 
Antes de todas as coisas existia o silêncio.
Tu chegaste depois. Muito depois.


Tu vieste de mansinho quebrar o silêncio.
Sobraram os restos mundanos.
Todo o ruído e a cólera e os risos histéricos.
Todas as queixinhas das pessoas.


Faço aqui o elogio do silêncio. A fórmula. A matriz.
Antes de todas as coisas existia o silêncio.
Tu chegaste depois. Muito depois.